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sábado, 30 de março de 2013

GRAÇA

Há um barulho de forte ventania. Vem dos quatro cantos o sopro quente. O que estava morto há muito tempo, vibra e fica de pé, e o barulho e a confusão são grandes. Há pessoas buscando desesperadamente conhecidos. Só monturo e cinza sobre a Terra, a qual antes cheia de vivos. Há muita agitação, e a Luz vem do céu. Aos poucos todos entendem o que se dá de fato; Que momento! Ou ao menos tem um certíssimo pressentimento. Quando se ouve uma voz do alto o povo silencia, e um velho ao meu lado diz:

Entraremos na mesma condição, ou não entraremos... ’

Demorei um pouco para reconhecê-lo. Muito sofrido há alguns anos (não tinha certeza de quantos), um viúvo, pobre e que fora também presidiário, do qual as senhoras escondiam o rosto na rua, e as moças ao vê-lo passavam para o outro lado.
Perguntei-lhe:
– ‘o que está dizendo?’
– ‘A porta é una, entrarão da mesma maneira, todos iguais: PERDOADOS... '
Um rapaz que fora rico em vida diz ao meu lado:
– ‘Que felicidade. Eu tenho boas obras, e muitas herdades... ’
O velho ajeita o chapéu e fixamente me olha:
– 'E tu, o que tens?'
Eu não respondo logo.
E ele me diz:
– 'Pouca coisa é necessária'
Compreendi:
– 'Eu tenho um momento, guardado há muito em mim’.
– ‘Que houve nesse momento?’ diz por fim
– ‘uma promessa feita e uma paz serena. Este foi o princípio de uma Nova Vida. ’
– ‘Então tens tudo, jovem’ – falou- me de novo – ‘As obras e as riqueza não nos valem nessa hora. Consumidas estão para sempre no fogo... ’
Então percebi ao longe, um grupo audacioso que ousava gritar: 'fizemos isso e isso, tudo em teu nome!', um olhar do Juiz e todos se calam... O jovem rico ao meu lado parecia chocado, talvez até ofendido pelo fato...



O velho percebeu minha expressão confusa, e em seguida começou a exibir os seguintes pontos:

‘Não penses nem por um instante, que alguém poderá mostrar- se melhor do que ninguém, não nesse Dia, por qualquer que seja a razão escolhida: dinheiro, beleza, fama... Ou mesmo bondade! Se tu fizeste isso ou se aquilo, uma caridade, a alguém um afago, estes serão teus frutos, e somente isso. Servem durante o tempo, mas aqui não há nem isso; só para a vida te valeram, para revelação do teu íntimo, se de fato conheces e amas o teu Deus, ou se apenas finge...
Não, isso não te salvará. – Continuou – ‘Todos, e não há acepção, terão de entrar da mesma maneira que entrou o ladrão perdoado. Ponha o blasfemo, o bêbado, a que antes era prostituta, ou o pior tipo considerado, coloquem-nos juntos, todos juntos, daquele que na vida era respeitado, o sacerdote, o advogado, iguais somente aqui, todos aceitos ou não, apenas pelo que um homem fez...
Cristo!’– Completei...
‘ Não pelo que puderam fazer por si.’ disse ele outra vez
‘Todos têm isso, e somente isso, essa é a cobertura: a defesa do culpado, o argumento sobre o qual repousa, ou não... A absolvição’
‘Cristo morreu por mim... ’ eu disse a ele por fim.
‘Cristo morreu por mim! com lágrimas repetiu.
O velho sem nome estava certo. Como o ladrão da cruz eu me senti, ao perceber quão grandioso fato. O entendimento tomava agora forma: Quem mereceria tal ato? O homem da cruz ao lado (agora é Juiz) apenas decidiu, por algum senso de justiça desconhecido, ser misericordioso e compassivo. Em dado momento eu O encontrara em vida, e agora estamos de novo aqui. 'O passado não pesa em nada' Ele me disse naquele dia, –  'os roubos de outrora não valiam'–  , e estranhamente, o ladrão que eu era, creu em cada palavra articulada, e descansou, sabendo que era verdade. Olhei o Juiz agora e O reconheci... Aquele Salvador da Cruz!
Disse- lhe por fim:  
Sim, Cristo morreu por mim!

Texto de Kertelen Ribeiro

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