Há
um barulho de forte ventania. Vem dos quatro cantos o sopro quente. O que
estava morto há muito tempo, vibra e fica de pé, e o barulho e a confusão são
grandes. Há pessoas buscando desesperadamente conhecidos. Só monturo e cinza sobre a
Terra, a qual antes cheia de vivos. Há muita agitação, e a Luz vem do céu. Aos
poucos todos entendem o que se dá de fato; Que momento! Ou ao menos tem um certíssimo
pressentimento. Quando se ouve uma voz do alto o povo silencia, e um velho ao meu
lado diz:
–
‘Entraremos na mesma condição, ou não entraremos... ’
Demorei
um pouco para reconhecê-lo. Muito sofrido há alguns anos (não tinha certeza de
quantos), um viúvo, pobre e que fora também presidiário, do qual as senhoras
escondiam o rosto na rua, e as moças ao vê-lo passavam para o outro lado.
Perguntei-lhe:
–
‘o que está dizendo?’
–
‘A porta é una, entrarão da mesma maneira, todos iguais: PERDOADOS... '
Um
rapaz que fora rico em vida diz ao meu lado:
–
‘Que felicidade. Eu tenho boas obras, e muitas herdades... ’
O
velho ajeita o chapéu e fixamente me olha:
–
'E tu, o que tens?'
Eu
não respondo logo.
E
ele me diz:
–
'Pouca coisa é necessária'
Compreendi:
–
'Eu tenho um momento, guardado há muito em mim’.
–
‘Que houve nesse momento?’ diz por fim
–
‘uma promessa feita e uma paz serena. Este foi o princípio de uma Nova Vida. ’
–
‘Então tens tudo, jovem’ – falou- me de novo – ‘As obras e as riqueza não nos
valem nessa hora. Consumidas estão para sempre no fogo... ’
Então
percebi ao longe, um grupo audacioso que ousava gritar: 'fizemos isso e isso,
tudo em teu nome!', um olhar do Juiz e todos se calam... O jovem rico ao meu
lado parecia chocado, talvez até ofendido pelo fato...
O
velho percebeu minha expressão confusa, e em seguida começou a exibir os
seguintes pontos:
–
‘Não penses nem por um instante, que alguém poderá mostrar- se melhor do que
ninguém, não nesse Dia, por qualquer que seja a razão escolhida: dinheiro, beleza,
fama... Ou mesmo bondade! Se tu fizeste isso ou se aquilo, uma caridade, a
alguém um afago, estes serão teus frutos, e somente isso. Servem durante o
tempo, mas aqui não há nem isso; só para a vida te valeram, para revelação do
teu íntimo, se de fato conheces e amas o teu Deus, ou se apenas finge...
Não,
isso não te salvará. ’ – Continuou – ‘Todos, e não há acepção, terão de entrar
da mesma maneira que entrou o ladrão perdoado. Ponha o blasfemo, o bêbado, a
que antes era prostituta, ou o pior tipo considerado, coloquem-nos juntos,
todos juntos, daquele que na vida era respeitado, o sacerdote, o advogado, iguais
somente aqui, todos aceitos ou não, apenas pelo que um homem fez...
–
‘Cristo!’–
Completei...
–‘
Não pelo que puderam fazer por si.’ – disse
ele outra vez
‘Todos
têm isso, e somente isso, essa é a cobertura: a defesa do culpado, o argumento
sobre o qual repousa, ou não... A absolvição’
‘Cristo
morreu por mim... ’ eu disse a ele por fim.
‘Cristo
morreu por mim! ’ com lágrimas repetiu.
O velho sem nome estava certo. Como
o ladrão da cruz eu me senti, ao perceber quão grandioso fato. O entendimento tomava
agora forma: Quem mereceria tal ato? O homem da cruz ao lado (agora é Juiz) apenas decidiu,
por algum senso de justiça desconhecido, ser misericordioso e compassivo. Em dado momento eu O encontrara em vida, e agora estamos de novo aqui. 'O
passado não pesa em nada' – Ele me disse naquele dia, – 'os roubos de outrora não valiam'– , e estranhamente, o
ladrão que eu era, creu em cada palavra articulada, e descansou, sabendo
que era verdade. Olhei o Juiz agora e O reconheci... Aquele Salvador da Cruz!
Disse- lhe por fim:
Sim, Cristo morreu por mim!
Texto de Kertelen Ribeiro
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